segunda-feira, 12 de maio de 2008

PRÉ-PHOTOSHOP EM 1945


Da autoria de Yevgueni Chaldej, esta é uma das fotografias de reportagem e fixação de momentos históricos que mais se celebrizaram e ainda hoje são o principal emblema da derrota do nazi-fascismo (mostrando o hastear da bandeira soviética por um soldado do Exército Vermelho, em 1945, sobre as ruínas do Reichstag em Berlim). Pela enorme força impressiva da imagem, esta foto de Yevgueni Chaldej (falecido em 1997) passou a constituir um pedaço da História, ilustrando o ponto alto da derrota do Reich hitleriano e a afirmação vitoriosa da máquina de guerra soviética que, sob comando supremo do Marechal Estaline, varreu um dos mais poderosos exércitos numa marcha de ferro e fogo desde Estalinegrado até ao coração de Berlim, enquanto os seus aliado (ingleses e norte-americanos) os vinham batendo desde Oeste e Sul. E, a partir da difusão massiva desta foto, magnífica de força, enquadramento e simbologia, não terá havido um único antifascista pelo mundo fora que não tenha encontrado alento de alívio e prazer ideológico vendo e revendo esta fixação para a posteridade da grande vitória (do Bem) e da grande derrota (do Mal).



Mas, como na história escrita, também a história pela imagem pode ser manipulada e manipulatória. Com o acrescento de eficácia de que se sobre um texto que nos é dado ler, algumas luzes de função crítica se acenderão, perante uma imagem, o normal é que a evidência do que entra olhos dentro nos encontre particularmente desarmados contra os truques, as manipulações, os enganos. E na habilidade para enganar, manipulando segundo objectivos políticos precisos, dificilmente se toma a palma à propaganda comunista, em que uma boa mentira é vista como um bom acto revolucionário e, assim, em vez da imoralidade do acto de mentir aos outros temos a absolvição automática pelos “ganhos da humanidade” obtidos pelo pragmatismo do efeito redentor da mentira. E tão entranhado está este utilitarismo na apresentação (ou supressão, ou alteração, ou parcialização) dos factos, políticos e históricos, que, sendo muitos os propagandistas comunistas (e, normalmente, são competentíssimos), raros são os historiadores comunistas que, sendo comunistas, sejam também historiadores com respeito pelo ofício.



De há muito que se sabe que esta foto de Yevgueni Chaldej foi conscientemente trabalhada e manipulada (o próprio autor confessou-o). Não só se apagou um dos dois relógios que o soldado soviético tinha no pulso (o que evidenciava o saque perpetrado pelos soldados do Exército Vermelho no seu caminho para Berlim) como a bandeira empunhada foi substituída por uma mais aberta e com as insígnias da foice e do martelo mais visíveis e marcantes no corpo da imagem. Admite-se até que a foto não fixou qualquer momento de realidade, tendo-se tratado apenas de uma mera encenação montada por encomenda propagandística. Agora, em Berlim, no museu Martin Gropius Baú, uma exposição com uma retrospectiva das fotos de Yevgueni Chaldej, mostra a sequência manipulatória até ao resultado difundido e que ficou mundialmente famoso e aceite como peça fotográfica histórica. Num trabalho manipulatório que, segundo um jornalista do “El País”, torna Yevgueni Chaldej “um percursor do programa informático de retoque fotográfico Photoshop”.



Apesar da evidência demonstrada da essência mentirosa da célebre foto, o mais provável é que ela continue a ser difundida e tomada como registo histórico de um acontecimento (que não ocorreu ou ocorreu diferentemente). O que nos remete mais uma vez para a questão do papel persistente que uma mentira bem pregada e bem difundida, ao apoderar-se de um cadeirão vitalício na assembleia da memória histórica, dificilmente se expulsa pela desonra da mentira. Muito depende da eficácia do estereótipo da mensagem ao saciar quem o procura beber. Também do talento dos mensageiros e se estes são profissionais da mentira.

Retirado de http://agualisa6.blogs.sapo.pt/

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